LIMBO e os finais que não são finais

Antes de começar, um aviso: eu vou escrever sobre detalhes da história de LIMBO. Então, se você for totalmente alérgico a spoilers sugiro que termine o jogo e depois volte aqui. Não acho que vou falar sobre algo que estrague o jogo, mas é melhor avisar né. De qualquer forma, o maior spoiler está no título (sorry).

Há algum tempo (anos, talvez?) reclamaram comigo sobre o final de um livro que eu emprestei. Não lembro exatamente do diálogo, mas foi algo assim “O livro é muito bom, mas ele poderia ter um final de verdade”. Lembro-me de defender um pouco o ponto de vista de que aquela história não precisava de um final completamente conclusivo e tal. Pensando melhor agora, o livro termina com um Deus Ex Machina e o tempo é resetado, é realmente um final preguiçoso (ou de merda, dependendo do ponto de vista).

Mas algo que sempre me incomodou, mesmo quando sou eu criando as histórias, é o que seria um “final de verdade”. Acho que ficção nos é apresentada desde o início com um “Felizes para sempre”, que de certa forma também é um final preguiçoso. Outro exemplo que está sempre nos fazendo companhia é o final de novelas da Globo. A característica principal desses finais é que se você perguntar como está o personagem X daqui a 50 anos existe sempre uma resposta medíocre (vivendo feliz para sempre).

Na verdade, o que realmente me incomoda é que a vida não é assim. Não existe um ponto a partir do qual a vida de todos os personagens será previsível. E eu não estou falando em realidade aqui, essas mesmas histórias são repletas de mudanças, de pessoas ganhando e perdendo poder e tentando prejudicar outras pessoas. Como eu deveria aceitar que a partir de um momento toda essa problemática se resolva completamente?

Certa vez um amigo comentou que ele prefere ler crônicas por não necessitarem de um final propriamente dito. Eu diria que uma crônica não é o único jeito de se conseguir isso, mas é uma boa forma de evitar pessoas reclamando porque a história termina com o personagem deitando na cama e dormindo, por exemplo. O mais interessante nem é descobrir pessoas que entendem que finais não precisam ser conclusivos, mas achar pessoas que gostam desse tipo de narrativa.

Há pouco tempo eu assisti Harmonie e Sakasama no Patema, ambos do diretor Yasuhiro Yoshiura. Dele também são Pale Cocoon e Eve no Jikan e algumas outras coisas que eu ainda não assisti. Algo interessante sobre este diretor (eu digo diretor, mas essas obras são bem autorais, muitas etapas da produção, incluindo o roteiro, são feitas por ele) é que nenhuma dessas histórias tem um final conclusivo. São histórias que se propõem a contar um período da vida de seus personagens, de desenvolve-los e fazer quem assiste se identificar com eles. Geralmente elas resolvem uma parte dos problemas envolvendo os personagens, mas terminam deixando coisas em aberto, dando a sensação de que aquilo foi só uma pequena etapa na vida daqueles personagens, que outra virá logo em seguida e permitindo a nós, espectadores, imaginarmos o que vem a seguir.

Eve no Jikan (Time of Eve)

Não sei quanto a outras pessoas, mas sempre que eu assisto algo com esse tipo de narrativa eu fico muito tempo imaginando o que acontece depois, criando diversas formas do enredo se desenvolver e contemplando a vastidão de possibilidades. Isso proporciona uma experiência diferente para cada pessoa e é interessante pensar que aquele mundo com aqueles mesmos personagens que existe na minha imaginação é diferente para muitas outras pessoas. É, de certa forma, também uma forma de desapego do autor que cria a história para nós até determinado ponto e depois a deixa livre para crescer sozinha na nossa imaginação.

Na minha opinião, Harmonie é um dos animes que melhor consegue despertar essa sensação. A animação conta apenas uma etapa da vida dos personagens e quando algo ocorre e que provavelmente vai gerar mudança na vida dos personagens, a história se encerra deixando claro que aquilo foi apenas um pedaço da vida deles (um slice of life).

Harmonie

Acho que está faltando LIMBO nesse texto, né. Quando eu me deparei com o hype de jogos indie, LIMBO foi um dos primeiros que eu ouvi falar e um dos últimos que eu resolvi comprar. Como sempre, eu demorei muito tempo para terminar esse jogo (eu sempre começo a jogar e depois paro por meses). A forma como a narrativa do jogo é mostrada, apenas com sombras e sons, mas sem diálogos, me interessou bastante. Embora os cenários sejam bem simples e a paleta de cores mais simples ainda, o jogo nos obriga a notar pequenos detalhes para conseguirmos entender mais da história.

Alguns fatos e muitas coisas curiosas nos são apresentadas, mas dar uma explicação para eles é uma tarefa quase subjetiva. O enredo e a jogabilidade se entrelaçam muito bem num excelente game design que me ajuda a justificar porque eu me interesso tanto por indies.

E depois de algumas (poucas) horas de jogo (e um pouco de non-sense) finalmente o jogo termina em aberto, permitindo ao jogador usar a sua interpretação do que viu para imaginar o que vem a seguir (isso se existir um depois). Eu ainda gosto de imaginar um antes, tentar entender o porquê daqueles garotos estarem na floresta, de onde vem essa aranha gigante, onde se passa a história.

Sei que algumas pessoas criticam a forma como essa história é contada e o fato dela deixar tanta coisa em aberto. E essas pessoas tem razão, o jogo não nos prepara para usar a imaginação para preencher o que falta. Pensando bem, talvez o maior problema seja a duração do jogo, quando eu comecei a criar teorias sobre a história foi justamente quando ela acabou. Bem, o jogo não é perfeito e eu não esperava que fosse.

Adorei essa imagem

Como eu disse acima, o game design não é perfeito, mas dá para notar a quantidade de esforço que esses caras fizeram para tornar o jogo o mais próximo possível do que foi idealizado (falar com palavras já é difícil, imagine usando a linguagem desse jogo). Algo que eu gosto muito de fazer é prestar atenção à mecânica do jogo (e outros detalhes técnicos) e imaginar quanto trabalho deve ter dado para programar isso. E por tudo isso, eu gostaria de agradecer ao esforço dessas pessoas que fizeram um excelente trabalho.

Até mais.

Erick Pires

Estudante de Ciência da Computação

Rio de Janeiro, Brazil https://erickpires.com